Me lembro como se fosse ontem, na aula do Marcão, na ESPM, enquanto ele fumava um maço inteiro de cigarros, me perguntou com o que eu pretendia trabalhar em publicidade. Eu respondi como se fosse a coisa mais óbvia do mundo: “Criação ué! Sou super criativa, extrovertida, é a minha cara.” Meio que pensando: mas não é isso que todo mundo quer entrando aqui? Faculdade descolada, “melhor da américa latina”, criar as incríveis propagandas da Coca-Cola e da Nike, ESPM maravilhosa cheia de encantos mil! É meio isso né? “Já pensou em criação de gado?” Ele me respondeu. E assim começaram meus anos na faculdade.
O tal talento pra trabalhar em criação já foi pro saco logo no segundo semestre eu acho. Tinha um professor que parecia o Sr. Incrível da Disney e sempre olhava com uma cara de merda para meus trabalhos… Dava dó de mim. Logo eu, tão nerd, como eu não tirava 10? Fora a dificuldade pra mexer no photoshop (um beijo pra quem eu pagava pra fazer meus trabalhos!) e a tortura que era ter uma boa ideia que não fosse bocó, manjada ou que todos os amiguinhos da sala teriam. Desencanei de ser criativa e como 70% das pessoas que fazem ESPM (acabei de inventar essa estatística), achei que seria a melhor marketeira da história da humanidade. Mas na real eu nem amava tanto assim as aulas de marketing. As que me encantavam mesmo eram as de Teoria da Comunicação, Filosofia, Psicologia, etc. Mas era só o que faltava eu fazer essa faculdade e virar filósofa né? Acho que não era bem essa a ideia dos meus pais quando toparam pagar aquela fortuna todo mês.
Acabei virando atendimento. “Ah, tipo telemarketing? Tem que usar uniforme?” Pergunta minha avó. Não, não vó, atendimento de agência. A interface entre cliente e agência. Tipo uma administradora da conta com todos as outras áreas da agência. “Ah, entendi. Mas quando você vê na TV uma propaganda e diz “esse filme é meu”, como, especificamente esse filme é seu?” Boa pergunta vovó. Eu também não sei. E esse tipo de pergunta costuma vir de todos os lados e faz você se sentir a pessoa mais acéfala do universo. Você que criou o roteiro? Não não, foi a criação. Você identificou o conceito e teve um insight genial pra campanha? Não, isso foi o planejamento que fez. Ah, então já sei, você fez todo o planejamento de midia e comprou as inserções nos canais da TV e nas revistas de melhor circulação? Não, na verdade quem faz isso é o próprio departamento de mídia. Então você que filmou o filme de fato, e por isso ficou assim tão incrível. Não… isso quem fez foi a produtora com a coordenação do RTV. E quem imprimiu o anúncio e todas as outras peças, antes que você me pergunte, foi a produção gráfica, com todas as suas gráficas do pool do cliente. Mas então que raios que você faz? Cara, eu trabalho que nem uma camela grávida no deserto, mas de fato tá difícil de te explicar…
Eu tenho que falar com meu cliente 24 horas por dia (minha sorte é que hoje em dia são todos incríveis, mas já tive cada um…). E pretty much só eu tenho esse papel na agência. As outras áreas falam com o cliente quando convém, em grandes apresentações de campanha por exemplo. Pego briefings malucos e transformo em coisas cabíveis e normais para que o planejamento passe horas agonizando nos insights. Eu recebo da midia pedidos de material para veicular um filme amanhã sendo que ele nem sequer foi filmado. O RTV quer marcar filmagem e faturar sem nem ter me passado o orçamento do filme. Eu quebro galhos e me viro em mil pra colocar algo no ar em tempos tão recordes que chegam a ser inacreditáveis. Eu consigo parir apresentações e calls em diversas línguas quase todos os dias, ao mesmo tempo que monto planilhas de budget que não podem estourar, levo uma patada da criação, uma ligação mal educada de alguém, e ainda masco chiclete. Em paralelo me liga um motoboy porque não acha o cliente para receber o CD urgentíssimo com o animatic da campanha que lança ano que vem. Passo briefings pra criação e eles me olham com cara de que eu sou uma completa idiota que não sabe o que está falando. Don´t kill the messenger. Eu também não acho que esse produto é tão incrível como meu cliente acha. E tenho que pedir pizza 23:30 porque a apresentação de amanhã tá na metade ainda. Bem como vocês, queridos criativos. Eu respondo 8975 e-mails de todas as áreas em um só dia. Pensa que é fácil?
Mas ninguém me disse isso na faculdade! Cadê o glamour minha gente? Cadê as festas incríveis e criativos malucos com o pé na mesa e fumando maconha? Cadê os prêmios, a vida loka? Cadê aquele mundo fascinante da publicidade que todo mundo me contava? Me parece que isso não existe mais. Hoje existe uma publicidade legal mas não menos burocrática que qualquer outro negócio. Ainda divertida, mas muito mais séria e cheias de regras. Ainda mais informal e tênis all star, mas cheia de executivos se matando com prazos curtos e coisas pra ontem, em budgets mais curtos que a vinheta de 5″. Aquela publicidade do Mad Men, ficou lá, naquelas décadas. Perdeu um pouco o encanto. E de pensar que o Marcão já tinha me avisado lá no comecinho da faculdade e eu nem reparei. A publicidade não é mais a mesma. E ser atendimento nesse mundo é tarefa árdua meus amigos, tem que se virar em mil, e ter mais jogo de cintura que a Shakira. Não é fácil não. E mais difícil ainda é explicar o que se faz e o quão indispensável somos nós, esses estranhos atendimentos, os account services. Mas um dia eu te explico melhor. Agora preciso ir, meu telefone está tocando. Pela milésima vez do dia.