Ir ao cabeleireiro pra mim é tarefa semanal. Dependendo da época (e da neura), até duas vezes por semana. E não tem nada de muito espetacular apesar de ser quase uma terapia. Mas é sempre tão parecido que nunca costumo ter momentos muito memoráveis lá. Até que um dia fui surpreendida.
Eu: – Oi, tudo bem?
Ele: – Oi, você é Gabriela né? Sou Junior, sou novo aqui!
Eu: – Oi Junior, quero fazer uma hidratação.
Ele: – Vamo hidratar essa cabeleira então.
Eu: – Mas só nas pontas tá?
Ele: – Não, vamo hidratar isso aí tudo.
Eu: – Não, meu cabelo é super oleoso, se você hidratar a raiz vai dar pra fritar uma coxinha, confia em mim.
Ele: – Ta, vamo hidratar tudo. E depois se a gente mudar? Cortar uma franjinha?
Eu: – Não, vou parecer retardada.
Ele: – Um corte moderno, Chanel?
Eu: – Nem… pareço aqueles abajures de canto de sala. Compriiiido e com uma coisa ao redor, sabe?
Ele: – Aiii que chata, vamos repicar esse cabelo todinho? Dar vida?
Eu: – Putz, é que meu cabelo é tão fino, acho que fica meio estranho.
Ele: – Magina bee, vai ficar bafo, pra você ter aquela cara de que “ai, vim correndo”, sabe?
Eu: – Correndo de onde?
Ele: – Sei lá, pela Marginal. “Cheguei, vim correndo, to fresca”.
Eu: – Humm, acho que vou ficar como estou mesmo.
Ele: – Meio assim, Maria Madalena arrependida?
Eu: – Isso. Não acha que ta bom?
Ele: – Ai, essa criança aqui tá me tirando do sério.
Eu: – Qual? Ela não é filha da manicure, que é sua amiga?
Ele: – É, ela pintou minha unha. Que nem a cara dela. Criança demoníaca, catarrenta.
Eu: – Viu Junior… não precisa secar não, meu cabelo é bem liso, seca bem sozinho.
Ele: – Ah, que isso bee, vou fazer uns cachos aqui, vai rola algo hoje a noite?
Eu: – Não, to tranquila hoje, vou no máximo ao cinema.
Ele: – Ahhh, nunca se sabe, o whatsapp apita e tudo muda. Fica online aí que ce vai ver. Vou fazer os cachos.
Eu: – Mas hoje vou fazer alguma coisa bem sussa mesmo, amanhã cedo vou correr.
Ele: – Correr? Sabe quando eu corro? Quando falam “open bar até as 00:00” aí eu saio correndo que nem uma doida. Aliás, to saindo com um bofe, aposto que ele corre. Saí com ele e era todo trabalhado na vida saudável, só come coisa ruim. Daí me fiz a saudável né? Comi uma saladinha.
Eu: – E chegando em casa?
Ele: – Mandei uma picanha e tudo que vi na minha frente. Ai, acho que não vai dar certo esse afair, deixa ele saber que sou essa trashera só.
Eu: – Ah, de repente ele gosta, por você ser assim diferente.
Ele: – Ai, não to dando conta desses bambolês na tua orelha.
Eu: – Ué, por que não disse antes? Eu tiraria!
Ele: – Ah, sei lá, tava tímida no começo, agora que a gente é tipo prima, posso falar. Aliás, cor linda a sua, quem fez?
Eu: – Obrigada. Foi o Kamura.
Ele: – A índia velha? Sei ele é bom mesmo. O que você tá lendo?
Eu: – É um livro da Kabbalah, sabe?
Ele: – Nossa, eu bem vi sua pulseira, mas não sabia se era dos Santos do Bonfim ou da Kabbalah. Me dá uma pulseirinha dessa?
Eu: – É que você precisa ir lá, alguém tem que fazer uma reza pra colocar…
Ele: – Ah que chique. Eu tenho uma amiga que um belo dia, a gente quis se libertar sabe? A gente tava em Londres e ela quis sair sem escova. Daí uma hora não deu, eu falei “Ah Bee, se libertou mas tá uó. Parece uma doméstica, que apanha do marido. Tó aqui um elástico”.
Eu: – E você se libertou como?
Ele: – Eu tava de saia longa preta, blusa preta, meu dreads e um óculão.
Eu: – Ah, tipo uma mãe de santo de luto?
Ele: – Era mais pra McQueen. Não né? Não me libertei também.
Eu: – Tá, mas o que tem a ver com a Kabbalah?
Ele: – Que Kabbalah bem?
Eu: – É que você me perguntou.
Ele: – Ih, larga esse livro. Dá uma Kabbalahda e uma twitada, uma Kabbalahda e uma twitada.
Eu: – É que eu não tenho Twitter.
Ele: – Pronto, ta lindíssima.
Eu: – Obrigada.
Ele: – Volta aqui hein?
Eu: – Volto sim.
Ele: – Mas semana que vem, não daqui a 8 anos né? Pelo amor.
Eu: – Deixa comigo. (Piscadela).